Sobre a arte de chutar o balde



Confira o artigo de Erilene Firmino hoje no Diário do Nordeste.


erilene@diariodonordeste.com.br
13.06.2014


Sobre a arte de chutar o balde
Sou uma dessas pessoas mais comuns do mundo. Totalmente marrom: pele, olhos, cabelos. Nos ambientes fora de minha rotina, passo facilmente despercebida. Se faço barulho onde costumeiramente transito, em espaços outros, existo silenciosamente. Adoro esta possibilidade de ser anônima, sem me preocupar com a visão certeira das pessoas sobre mim: elas me enquadram!
E eu, bom, eu não caibo em rótulos ou definições fáceis. Sou barulhenta, mas tranquila; agressiva, mas dócil; um tanto insana, porém exaustivamente sensata. Dual demais para uma pessoa sem diagnóstico de bipolaridade.
A dificuldade de compreensão imediata do que sou piorou recente, após ter percebido em mim características especiais. Não sou louca, não sou heroína de revistas em quadrinhos, não nasci em outro planeta ou passei por algum experimento capaz de potencializar músculos ou inteligência, mas possuo poderes extraordinários.
O acesso a eles a vida foi me possibilitando à medida que eu ia carecendo. De dois, possuo extremada vaidade. O de autoproteção: sem problemas de audição, sou capaz de passar horas ouvindo as pessoas monologo (só falam de si mesmas, só pensam em si mesmas, não se permitem segundo plano mesmo diante do sofrimento do outro), sem o fazer, porém. E também sem dar oportunidade à criatura de perceber meu engodo. Faço cara de estar ali.
Os egocêntricos não suportam a desatenção e, se percebem a tramoia - corpo presente, pensamento vagando - nos tomam como reféns. São capazes de prolongar o monologo horas a fim. Eles sempre acreditam ter muito a dizer. Já eu não suporto ouvi-los. Então, quando me pegam em armadilha, aproximando-se sorrateiros, fixo o olhar em seus rostos, coloco minha mente para viajar. Eles em seu blá-blá-blá. Eu acompanhando as músicas guardadas no coração. O normalmente ruim, torna-se bom.
Apesar da relevância de se autoproteger, é do meu outro poder extraordinário que mais gosto. O de chutar o balde. Sim, em momentos extremos, caso não esteja confortável com todas as ocorrências provocando sofrimentos mil e satisfação zero, possuo a capacidade de dizer categóricos nãos.
Largar tudo e deixar acontecer naturalmente. Cansada, saturada, indignada, esqueço o bom senso e ataco.
Quem me levou a este revolucionário poder foram os sábios. Eles me mostraram o caminho ao falar sobre as mudanças nascerem dos incômodos. Não é fácil. De origem, procuro o dialogo, a parcimônia, o acordo. Entretanto, se a situação não me apraz e não percebo possibilidade de mudar, não vejo razão para nela permanecer. Nada de viver á base de tristezas e resmungos permanentes. É ruim demais para qualquer pessoa viver onde antes lhe cabia e agora não mais.
Podem parecer a maior mentira estes meus dois poderes extraordinários. A mim, entretanto, eles salvam. Para quem adora ter o controle da situação - pensar no antes, no durante e no depois -, vez ou outra, permitir-se lançar nãos categóricos ao mundo, é revolucionário, é libertador, faz carícias ao coração.


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