Palavrão e preconceito

Da lista extensa de palavrões, sei todos. Pelo menos penso que sei. E uso demasiado, embora já tenha sido desaconselhada insistentemente. É que palavrão tem efeito, digamos, terapêutico. Como minimizar a dor de ter o mindinho estraçalhado numa quina de sofá sem um estrondoso "putaquepariu!"? Ou, num sentido inverso, como expressar surpresa diante de algo que se mostra de modo tão inesperado e espantoso que somente um sonoro "do caralho!" é capaz de traduzir? Isso só para citar pequenos desabafos desimportantes do cotidiano.
Mas confesso que esse rol de desaforos ganha tons borrados quando me vem à memória os tempos de criança e a lição que a irmã mais nova ganhou ao pronunciar o primeiro “porra!”, dentro de casa. Não tinha mais que 10 anos de idade e ainda trago comigo o que diziam meus pais sobre ser respeitoso e saber se expressar. Eram rígidos e, apesar de nem bem terem saído da adolescência, norteavam a prole, àquela época apenas cinco filhos, rumo ao que acreditavam serem normas de convivência necessárias.
Para eles, a casa era ambiente que exigia conhecimento claro de hierarquias. Era lugar em que sentimentos deveriam ser traduzidos de modo a serem aceitos e entendidos por todos que ali estavam e seguiriam juntos. Um lar carecia de harmonia para vingar.
Outra recordação vem do tempo em que meu filho mais novo insistia em afinidades com xingamentos. O pai fazia questão de ensinar os mais divertidos que lembrasse. Sim, tínhamos um professor de palavrões em casa. E assim, lá ia Antônio, rumo aos incautos, com ensaiados “seu Pindamonhangaba!”, “Sai daqui, seu Reriutaba!”. ☺ Funcionou, mas somente até o pequeno descobrir que aquilo causava risos ao invés de raiva no outro.

Me pego com essas lembranças e fico a pensar se encaretei ou se foram os tempos que tiraram a noção mínima de respeito. Mas não é esse o ponto. Tem algo que não bate. Qual é a lógica do palavrão? Qual é o sentido? Pensa, Maísa, pensa!
Se eu xingo, destrato, anarquizo a criatura e ela nem pisca, tem algo errado!

Era isso. A lição de meus pais estava nisso! O palavrão é dito mais para si do que para o outro. E fala muito de quem diz o impropério, convenhamos. Se destilo meu ódio e ele não chega no outro, de que me serve? Talvez por isso “viado”, “gorda”, “baixinha”, “puta”, “aleijado”, “negro preguiçoso” e tantos outros ódios tenham virado palavrões pronunciados de modo tão corriqueiro e com pouca reverberação.
Palavrão é meio de expressar preconceitos e mantê-los vivos. Um jeito violento de afastar o outro, de segregar, de tentar colocá-lo no "seu lugar" de inferioridade.

O destrato à presidenta Dilma Rousseff na abertura da Copa, nesta quinta-feira, no Itaquerão — SP, diz mais do que pudemos ouvir pela TV. Ele mostra um sentimento de ódio e não de protesto ou de consciência política. Ódio a quê exatamente? Ódio à mulher? Uns dirão: lá vem essa "vaca" com esse papo de "feminista" blá blá blá Whiskas sachê...
Será? Pense comigo: nós mulheres fomos criadas para ter certo medo de sexo. Mesmo para as mais jovens ainda é assim, embora de forma mais discreta. E sexo anal é sempre um assunto mais proibido. É visto como algo violento, como castigo e nunca como um modo de sentir prazer. “Foder” alguém tem o viés do controle, da força, da supremacia do macho. “Vai tomar no cu” é um modo de dizer “você não me controla porque você é menos do que eu”… Ou não?
Se por um lado, faz-se a reflexão do que seria a falta de civilidade da "elite brasileira", de outro há que se considerar pitadas desconcertantes de machismo e misoginia em todas as suas nuances. Os que não se contentaram com a vaia e foram aos "porões do cérebro" buscar munição estão a dizer o quê de si? O que dizem de nós?

A essa altura, parei. Parei porque vi violência e associações tão mesquinhas, e tão atrasadas, e meu repertório é mesmo curto pra caralho. Parei e vou continuar a pensar se encaretei de vez.

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